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Como vai você?

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E-mails acumulam-se na caixa de entrada A mesma velha má postura Um sonho igual todas as noites O Sol escurecendo o mundo Uma gota a mais – uma a menos No oceano O jornal e o leite cancelados Ontem ouvi um sussurro frio Ao pé do ouvido Gostaria que fosse real Um segundo antes dela partir Do calor aparecer – As horas nunca mais terminaram E o gato não parou mais de olhar pela janela erik rosa

Senhores da tristeza

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     Nesta caminhada que costumávamos a chamar de vida, juntos ou separados, fizemos o que tínhamos de fazer. Vivemos como podíamos e, de fato, foi de uma dificuldade tremenda, mas enfim conseguimos gastar todos os nossos dias, todos os nossos momentos, até não sobrar mais nenhum. Uns de nós, desde o início, já sabiam onde iriam depositar toda a sua vitalidade, outros demoraram, um pouco ou muito mais, para inventarem alguma forma de estar por aí, e existiram também aqueles que morreram sem saber como viver, procurando em cada canto um onde e um porquê da vida. Mas, de maneira geral, todos nós desempenhamos perfeitamente bem a tarefa de usar e aproveitar a vida – uns chegaram até ao ponto de abusar dela. Pode-se dizer então, depois de avaliarmos tudo, que a nossa existência foi um sucesso. Não houve nada que não tenha sido feito, nós encostamos em tudo, olhamos para todas as direções, sentimos na língua os mais diversos sabores, nossos corações mergulharam nas mais profun...

O planeta pálido

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     É como se eu não devesse ter jamais existido. Tampouco esse planeta inteiro. Água e terra, montanhas e florestas, são coisas que existem apenas na superfície. Por debaixo dessa diversificada maquiagem há uma crosta pálida, sem cor e sem brilho. Por sinal, também não há ninguém aqui. Caso houvesse o mundo seria diferentíssimo. Os que por aqui e por ali caminham não podem ser chamados de alguéns. Eles não têm mais alma, nem desejo, vagueiam como vazios. Não estão interessados em nada, nem sequer querem saber o porquê. Suas mentes estão ocas, e através delas ecoa o vento. Eu, ao passar perto deles, sinto que também sou um vazio.      Deve ter havido uma catástrofe. Talvez tudo tenha começado com um gigantesco cataclisma. Algo deu errado e então tudo começou. Esse planeta, esses ninguéns, essa palidez no ar e no rosto de todo mundo, esse horizonte sem esperança. É possível que os demônios da criação tenham se equivocado totalmente. erik rosa

Poeira da ampulheta

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Havia e não há mais. Tão impossível quanto necessário, havia e não há mais. Aqui imóvel tentando e tentando entender. O que significa? Antecipo na parte mais mole da minha consciência o dia em que partirei daqui para sempre, varrido como poeira pra lugar nenhum – onde? Para tempo nenhum. Oh, não! A minha tendência mais insistente – evidência da minha fraqueza – de querer que tudo permaneça, da maneira que for. seja em escombros e ruínas, mas que, por favor... tudo permaneça! Havia um dia. Não há mais. Quando chegar a hora que haja um epitáfio. Confusão será o meu epitáfio? Perdição! Amarrado pelos pés à obrigação de pensar e remoer sobre esse dia que não há mais. O quanto mais tardarei em abandonar a esperança e esse medo que sinto do tempo? Não é possível deixar de senti-los, são a mesma e única coisa a esperança e o medo, e estão enterrados profundamente em meu coração. Chegará o dia e o que fazer? Quando viro o rosto e encaro o passado somente observo alguém que sempre caminhou sem ...

o cheiro do bolo da vizinha da gaveta seis

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     A janela do meu quarto, no quarto andar do prédio quatro da rua cinco de maio, não existia. Nem porta existia. Mais certo seria dizer que eu vivia em uma gaveta, daquelas que exibem com ganância comercial os vendedores de guarda-roupas de quatro portas com cinco gavetas para meias e roupas íntimas. Como se houvesse em mim intimidade suficiente para guardar.       Talvez há. Com o calor que faz aqui dentro não mais reconheço meus contornos. A vizinha da gaveta três grita que lhe preservem os limites. Eu não entendo. Antes de acordar aqui eu dormia em uma cama, nada de conforto mas havia refeição. Havia atenção. E por isso regresso às horas em que, nas ruas, janelas e portas, pessoas sorriam - dentes e bocas à mostra, sem medo.      Não, não faz tanto tempo e os comerciantes de dobradiças ainda vendiam dobradiças. E os chaveiros ainda recebiam ligações de trabalho. As gentes ainda usavam correntes nos braços e pescoço, por ornamento o...

Sobre impermanências

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Você emerge em mim, como há muito tempo já fez mas agora em outro ritmo Dessa vez não te dou nada nem busco coisa alguma e assim eu aprendo a suavidade das escolhas Eu já não te devoro como antes apenas vou criando, pois se fico é porque aprendo o instante Não há o passado e o futuro de nós às vezes isso me assusta contudo, é esse único instante que nos une E eu me pergunto das outras criaturas seremos todos assim: filhos de um momento que não cessa? Jesline Cantos

Disfarce

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Pobre de ti que não me olha nos olhos e perde o peso o sonho, a nuvem escândalo subterrâneo jazigo do meu eu Pobre de ti perde a passagem do meu encanto carinho quase meu Pobre de ti que não tem rosto nome capacitação Pobre de ti que é o que vejo saldo da minha imaginação momento presente Jesline Cantos

A muitos passos daqui

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    Breve parada sentado numa grande pedra para recobrar o fôlego. Você sente a secura colando a garganta e deseja um pouco d’água. Irremediavelmente, você sempre se esquece de levar uma garrafa consigo. Calor infernal e seus pés derretendo no asfalto. Você imagina o quanto deste velho solado do tênis tem sido gasto por você nessas andanças. Quantos solados. Nessas andanças. Raciocina que o calor do sol é um agravante para o desgaste do solado no asfalto e que ele também tem alguma culpa. Culpa de gastar os solados. A quantas você poderia ter andado de maneira a não sentir culpa?      Fôlego recobre-se. Ossos em riste. Você caminha. A quantas poderia ter andado de maneira a não desgastar tanto os ossos? Reflete que o calor do sol ameniza o desgaste dos ossos e que ele não tem culpa nenhuma. Conta os passos e se pergunta quantos já foram dados até ali, imaginando que deve haver alguém no mundo que realmente conta os passos à sério. A cidade em forma de U faz da s...

Escorrência

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Há qualquer coisa que foge de nós Esse algo impalpável que não ouso dar nome Diria um Isto, mas é pior que a identidade o universalizar. Há duas ou três ou quatro durezas, mentira Menti Não sei e nem quero contabilizar quanta dor a coisa me causa No entanto, sinto Crueza. Ao que reajo por medo sei que invento a Coisa que me amedronta Mas o que há entre uma coisa e outra? O que é essa coisa que não sei e não ouso invocar? Há algo de mim na fuga? Sou mais fugidia do que aquilo que me foge? Erro, dou nomes porque se não o faço não consigo comunicar a Outros Mas não quero. Há qualquer coisa que ainda foge de nós Um algo que diante fico perplexa O que é isso que não passa pelas minhas mãos nem diante de meus olhos? E se pressinto já sei? Ou se sonho não sei? O que é Isto, que busco e nunca me lembrei? Há algo. A espera é que me irrompe aos meios. Jesline Cantos

Do som das palavras...

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    Um violino com o seu ritmo suavemente cadenciado soa e ressoa em meus ouvidos, fazendo surgir um desejo inalcançável de escrever palavras vivas que se movimentem e que dancem conforme a música. Uma perfeição incompatível com as coisas do mundo atravessa lentamente o meu espírito, e por uns instantes fecho os meus olhos, impeço a luz e permito haver um pequeno império musical. À medida que os segundos passam e a música avança, as minhas mãos percebem que as marcas deixadas por elas no espaço em branco quase não possuem pernas e mãos para se deslocar, e então acontece de súbito uma tristeza, um mero lamento diante à vontade de escrever palavras vivas que saibam dançar. Sempre desconfiei que a notas musicais chegassem mais longe em seus anseios do que as sílabas e as letras, que haveria uma lacuna de movimento num texto escrito que as palavras jamais saberiam preencher ou compensar, e que por isso só restaria às letras descrever e detalhar as suas próprias lamúrias alfabética...