Do som das palavras...
Um violino com o seu ritmo suavemente cadenciado soa e ressoa em meus ouvidos, fazendo surgir um desejo inalcançável de escrever palavras vivas que se movimentem e que dancem conforme a música. Uma perfeição incompatível com as coisas do mundo atravessa lentamente o meu espírito, e por uns instantes fecho os meus olhos, impeço a luz e permito haver um pequeno império musical. À medida que os segundos passam e a música avança, as minhas mãos percebem que as marcas deixadas por elas no espaço em branco quase não possuem pernas e mãos para se deslocar, e então acontece de súbito uma tristeza, um mero lamento diante à vontade de escrever palavras vivas que saibam dançar. Sempre desconfiei que a notas musicais chegassem mais longe em seus anseios do que as sílabas e as letras, que haveria uma lacuna de movimento num texto escrito que as palavras jamais saberiam preencher ou compensar, e que por isso só restaria às letras descrever e detalhar as suas próprias lamúrias alfabéticas. A canção haveria de se impor e se fazer ouvir sempre, quebrando a indiferente marcação do tempo, ao passo que a letra pacientemente pediria silêncio antes de aparecer, e enquanto não atingisse um certo grau de solenidade, não brotaria, não floresceria. Por isso que, enquanto a música poderia ser facilmente compartilhada e enquanto o musicista teria como ação o próprio fazer junto, ao escritor seria destinado trilhar os caminhos mais silenciosos da criação, e nessa imensa quietude, tentar encontrar o som de suas palavras, que estariam nos mais vazios grotões de sua consciência.
Aproveito os últimos instantes musicados em meus ouvidos e tento agarrar-me à alguma nota, a algum som que me leve a triunfar na letra através da música. Poderia fazer música com minha prosa, seria poesia – uma esperança. Haveria um instrumentista dentro de mim que faria meus ouvidos alegres enquanto escrevo e ouço o bater suave das teclas – das teclas de um piano. Seria possível surgir, no limites dos espaços entres as infindáveis linhas que escrevo, uma sinuosa coreografia, uns passos marcados que fariam do escrito recém nascido também uma bonita dança – dois para cá, dois para lá. Haveria uma comunhão sinestésica dos sentidos onde cores e sons sairiam voando dos meus dedos em direção à janela e à rua, onde lá fora, pudessem os transeuntes ver e ouvir… …
O som da música cessa em meus ouvidos. Se eu pudesse olhar dentro deles neste instante comprovaria a existência de uma certa reverberação. Conseguiria ouvir, além de tudo, um eco que persiste e insiste para além do tempo da findada música, um tempo que já não é mais para meus ouvidos. O ecoar da palavra dentro da minha cabeça, ressoando na minha consciência, tão baixo que somente a suprema atenção pode captá-lo, é o eco do som das palavras que escrevo. Essas palavras, que durante todo o tempo em que a música lindamente se apresentava, estavam por trás da cortina a ressoar, inaudíveis e pacientes, ressurgem agora e se colocam à frente, sempre lembrando que o seu silêncio nunca para realmente de tocar.
erik rosa
Comentários
Postar um comentário