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Mostrando postagens de julho, 2020

Poeira da ampulheta

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Havia e não há mais. Tão impossível quanto necessário, havia e não há mais. Aqui imóvel tentando e tentando entender. O que significa? Antecipo na parte mais mole da minha consciência o dia em que partirei daqui para sempre, varrido como poeira pra lugar nenhum – onde? Para tempo nenhum. Oh, não! A minha tendência mais insistente – evidência da minha fraqueza – de querer que tudo permaneça, da maneira que for. seja em escombros e ruínas, mas que, por favor... tudo permaneça! Havia um dia. Não há mais. Quando chegar a hora que haja um epitáfio. Confusão será o meu epitáfio? Perdição! Amarrado pelos pés à obrigação de pensar e remoer sobre esse dia que não há mais. O quanto mais tardarei em abandonar a esperança e esse medo que sinto do tempo? Não é possível deixar de senti-los, são a mesma e única coisa a esperança e o medo, e estão enterrados profundamente em meu coração. Chegará o dia e o que fazer? Quando viro o rosto e encaro o passado somente observo alguém que sempre caminhou sem

o cheiro do bolo da vizinha da gaveta seis

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     A janela do meu quarto, no quarto andar do prédio quatro da rua cinco de maio, não existia. Nem porta existia. Mais certo seria dizer que eu vivia em uma gaveta, daquelas que exibem com ganância comercial os vendedores de guarda-roupas de quatro portas com cinco gavetas para meias e roupas íntimas. Como se houvesse em mim intimidade suficiente para guardar.       Talvez há. Com o calor que faz aqui dentro não mais reconheço meus contornos. A vizinha da gaveta três grita que lhe preservem os limites. Eu não entendo. Antes de acordar aqui eu dormia em uma cama, nada de conforto mas havia refeição. Havia atenção. E por isso regresso às horas em que, nas ruas, janelas e portas, pessoas sorriam - dentes e bocas à mostra, sem medo.      Não, não faz tanto tempo e os comerciantes de dobradiças ainda vendiam dobradiças. E os chaveiros ainda recebiam ligações de trabalho. As gentes ainda usavam correntes nos braços e pescoço, por ornamento ou ordem judicial. Alguns usavam nos dedos e quand

Sobre impermanências

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Você emerge em mim, como há muito tempo já fez mas agora em outro ritmo Dessa vez não te dou nada nem busco coisa alguma e assim eu aprendo a suavidade das escolhas Eu já não te devoro como antes apenas vou criando, pois se fico é porque aprendo o instante Não há o passado e o futuro de nós às vezes isso me assusta contudo, é esse único instante que nos une E eu me pergunto das outras criaturas seremos todos assim: filhos de um momento que não cessa? Jesline Cantos