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Mostrando postagens de julho, 2019

Senhor das Moscas

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Aqui vai um registro desesperado. Como traduzir em palavras uma experiência cujas marcas não cabem no meu corpo e na minha alma? Meu nome é Eric, tenho onze anos. Faz dois dias que voltamos daquela ilha, e não sei ao certo quanto tempo ficamos por lá. O calendário na minha parede diz que foram poucos dias, mas meu coração está uma eternidade mais velho. Preciso lhes contar o que sinto sobre o que se passou conosco depois que o avião caiu, sobre o que sinto quando vejo o que nos tornamos. Um grupo de crianças cruzando o oceano fugindo da guerra, eu era uma delas. Seria apenas um longo vôo que nos deixaria distante de casa, mas tudo pareceu acontecer tão rápido que quando me dei conta só pude relembrar dos momentos recém passados como um relâmpago: a falha no motor, o barulho de toneladas de metal rasgando o céu de cima a baixo, os terríveis gritos das outras crianças, o meu pavor absurdo, a escuridão. Eu nunca senti tanto medo na vida, e, meu espanto demorou a passar depois que me

Brincar de viver

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Você olha a pedra tombada no chão. Um instante antes ela estava em sua mão direita sendo sacudida. Você a jogou. Agora ela ocupa um espaço em algum dos números inscritos no chão. À sua frente, a sequência de 1 a 10, cada um pintado de uma cor. E o céu, no limite. A missão é simples: chegar ao céu e voltar ao local de origem aos pulos, mas sem pisar na pedra no caminho. Você se lembra da última vez em que pulou amarelinha? Ou da última vez que foi e voltou do céu? Sem saber que seria a última vez. O brincar requer envolvimento com a criação de uma lógica própria da brincadeira. Quando se brinca faz-se arte, pois as formas são manipuladas pelo artista. Nas mãos de quem pula amarelinha, a pedra que antes era uma pedra comum, a partir da imaginação se metamorfoseia: de pedra se transforma em gigantesco obstáculo, de simples pedaço de mundo se torna o guardião do céu, o desafio da vida. E tudo se resume nesse instante-já que se traduz em cada pulo que se dá em direção ao céu. No brincar

O lado escuro

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I - da minha vida Por algum caminho me adentrava nessa ambígua travessia Do nada ao nada da vida meu primeiro choro sofria II - do meu corpo Negar o insalubre respirar que me é vida que me é morte Escolher o vazio pulmonar e a natureza desobedecer Porém, eis o mandamento da vida: Depois que se nasce deve-se viver até morrer III - do meu medo Ouço esses passos tão secos Ao pé do ouvido apressados O medo da morte e os seus ecos Fazem-me correr angustiado IV - do meu tempo O círculo de metal conta a quantas pulsa o meu tempo o meu pulso Nua exposição do meu final parece longínquo me contando me enganando Porquanto ignoro o sinal do Grande Astro que adverte com seu círculo em chamas Que essa minha vida monumental Seca e vira escassa Passa, se acaba e sem ninguém notar: Me ultrapassa V - da minha morte Companheira mais fiel no fio das horas sempre a convite doce sonora A dama terrível! Oh, como me atrai tã