Senhores da tristeza
Nesta caminhada que costumávamos a chamar de vida, juntos ou separados, fizemos o que tínhamos de fazer. Vivemos como podíamos e, de fato, foi de uma dificuldade tremenda, mas enfim conseguimos gastar todos os nossos dias, todos os nossos momentos, até não sobrar mais nenhum. Uns de nós, desde o início, já sabiam onde iriam depositar toda a sua vitalidade, outros demoraram, um pouco ou muito mais, para inventarem alguma forma de estar por aí, e existiram também aqueles que morreram sem saber como viver, procurando em cada canto um onde e um porquê da vida. Mas, de maneira geral, todos nós desempenhamos perfeitamente bem a tarefa de usar e aproveitar a vida – uns chegaram até ao ponto de abusar dela. Pode-se dizer então, depois de avaliarmos tudo, que a nossa existência foi um sucesso. Não houve nada que não tenha sido feito, nós encostamos em tudo, olhamos para todas as direções, sentimos na língua os mais diversos sabores, nossos corações mergulharam nas mais profundas emoções, esvaziamos todos os nossos potes de especiarias e aceleramos em todos os nossos circuitos de corrida, amamo-nos e odiamo-nos ao mesmo tempo, desconfiamos de tudo o que nos era estranho e protegemos tudo o que nos era familiar, nós demos, roubamos e compramos, emprestamos e escondemos, criamos mundos dos mais variados tipos, só para poder destruir depois, brigamos uns com os outros e matamos uns aos outros, mas também fomos carinhosos e zelosos uns com os outros. Enfim, no fim das contas nós fomos. Das pinturas nas paredes à realidade virtual, fizemos e acontecemos! Mas aí está, acabou o nosso último “viva!”, e agora tenho umas derradeiras palavras a dizer.
Senhores, dentro de cada um de nós, é certo, havia um enorme buraco. Durante a nossa passagem por esse planeta, fomos colocando naquele buraco, todos os dias, a matéria daquilo que considerávamos importante para as nossas vidas. Usamos o nosso tempo tentando decidir o que usar para preencher aquele gigantesco espaço vazio. Sim, penso que foi uma tarefa ingrata, dar tempo em troca de enchimentos de buracos não é coisa justa. Foi como se fôssemos uns bilionários vivendo numa loja onde apenas se vendem artigos de um e noventa e nove. O que poderia valer o nosso tempo? A gente nunca soube realmente, mas tínhamos que tentar, senhores, e tentamos. Foi um sucesso, sim. Eu não poderia dizer que não, pois não vou cuspir no que fizemos, não sou um misantropo. Eu fiz como vocês, tive minhas dificuldades, umas maiores e outras menores, mas lá fui eu, entreguei as minhas horas e os meus dias para quem quisesse, encontrei uma montanha de coisas para jogar buraco adentro, e foi o que fiz. Entretanto, senhores, ao olhar, nesse momento, para o buraco que há em mim, receio que os senhores possam, assim como eu, ter se enganado durante toda a extensão de suas vidas. É que mesmo eu me debruçando sobre o buraco, ainda assim não consigo enxergar o seu fundo. Só posso imaginar que a minha vida inteira esteja lá embaixo em algum lugar, resumida em família, coisas e carreira, mas não consigo ver. Será que nada adiantou? É um pouco decepcionante, sabem? Virar de costas e não poder relembrar. Isso me leva a duvidar de toda a minha vida. Me dá medo voltar a olhar para esse buraco. Sempre vivi de costas para ele, jogando por cima da cabeça meus sonhos e coisas. Nós já morremos, senhores, mas por que ainda permanece ali aquele buraco? A sua presença me enlouquece! Desvairado, às vezes fico pensando que não se trata de maneira nenhuma de um buraco quase vazio que eu trouxe comigo até aqui, julgo que até nessa conjectura eu tenha errado, mas que em realidade trata-se de um buraco que está cheio até a borda, completamente preenchido pela minha tristeza, senhores! Espero desesperadamente estar enganado, por isso ajudem-me. Vocês não sentem o mesmo, sentem?
erik rosa
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