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Mostrando postagens de janeiro, 2021

A respeito da névoa rio-grandina

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Era para ter sido o meu terceiro ano na cidade de Rio Grande e ainda hoje sinto uma forte sensação de que poderia ser na verdade o trigésimo, a despeito das horas cada vez mais arrastadas e monótonas as quais eu preenchia com inúmeros afazeres ou com alguma instantânea diversão aqui e ali. Às vezes, principalmente quando, sob o Sol, eu passeava pela praia sentindo o calor da areia aquecendo os pés, um forte desejo de mudança e renovação tomava conta de mim e, então, me vinham vários devaneios sobre como poderia ser completamente diferente a minha vida caso eu estivesse em outro lugar qualquer que não fosse ali, naquela cidade. Em momentos como esse eu fixava o olhar na linha azul do horizonte e por um longo tempo tentava imaginar que tipo de vida seria a minha se eu tivesse decidido ir tentar a existência em outros cantos. Engraçado como, naquele tempo e mesmo agora, confesso, tenho tendência a pensar que o lugar onde alguém está determina de tal maneira a sua personalidade, num certo

Cura para o otimismo

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Aqui dentro, um quarto onde nunca a luz do Sol alcança diretamente. As paredes cinzas, numa das quais, por uma rachadura, penetra um mofo cor de pântano. Grades de aço nas janelas. A porta, trancada por fora, só é aberta em momentos predefinidos. Não posso sair. Uma mesa de metal gelado com um livro sobre ela. Cura para o Otimismo, de autoria irrelevante. Estico o braço e apanho-o. Abro aleatoriamente em uma das escassas páginas. A cabeça curva-se para baixo. Os olhos são levados pelas letras. Da absoluta solidão humana espera que surja o contentamento, a resoluta significação de que assim é que é, e de que é bom que assim seja. Você contando os grãos de areia na praia enquanto caminha para o carro a fim de retornar para casa. Algo cutucando a sua consciência pelo canto. Uma voz que não diz nada. Um barulho de relógio que não marca tempo nenhum. Você sem questionamentos, apenas deixando-se ir pelos pés autômatos. Livre do peso de qualquer Outro, sentindo-se apenas só, caminhando pela p

Azul pastel

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Sob a luz do sol de uma manhã já envelhecida jaz numa pequena xícara de porcelana azul pastel o resto do café recém-passado, esquecido e deixado para trás pela chegada repentina de uma lembrança há muito não lembrada. Você, sentado na cadeira da ponta esquerda da mesa, ensimesmado e perdido nos próprios pensamentos, não consegue aproveitar a sensação de suave calor que o raio de sol provoca em seu rosto, já tão acostumado com o frio do sul. Absorvido pela imagem, você não move um músculo. Seus olhos não apontam para lugar nenhum. Uma mulher de cabelos originariamente crespos, mas que desde sempre se aperfeiçoou em diminuí-los e alisá-los, termina rapidamente de prendê-los e começa a preparar o café. Mais uma vez faz calor numa manhã que acabou de nascer. Você desperta do seu mais tranquilo sono ao som das louças batendo na cozinha, mas antes de se levantar fica deitado em silêncio por mais algum tempo a fim de se recordar onde estava pouco antes de dormir. Dos seus costumes infantis, o