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Mostrando postagens de abril, 2020

Mil pesos, uma medida

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     Sou demais e sinto demais. Condenado a ser o herdeiro de tudo o que deixaram aqueles que viveram antes de mim, herdei as mais nobres formas já criadas e tudo o que um dia foi considerado o ápice espiritual do ser humano, assim me tornando o fruto, resultado de todas as coisas cultivadas como belas e boas. Herdei também toda a exuberância da crueldade dos meus póstumos e trago comigo a mortificação de todos os lascivos que já mancharam este mundo. Eis que eu, filho legítimo e descendente direto dos erros e acertos humanos, tenho como único destino ser, enquanto vivente, responsável por toda a humanidade, o baú sagrado onde se depositam todas as esperanças e medos, enquanto compartilho da alegria simples dos mais pobres e da melancolia opaca dos abastados. E sendo o responsável, cabe a mim atravessar os limites do mal e do bem até o ponto onde eles se chocam e confundem-se. Resta a mim dizer quem fomos, quem somos e o que seremos. Inventar a medida e medir o mundo, descobrir o seu

Árido

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Uma pequena dificuldade de engolir sabe-se lá o que? Sabe-se alguma coisa… Eu, nem sei do que se trata Sou? Acho que já seria demais Um mistério entrecruza a passagem Mistério tenebroso, obscuro, mórbido angústia? Nem verdadeira angústia Momento discreto e indescritível Medíocre em infinitos modos vazio de potência? Nem assim o descrevo árido, sem inspiração Nem desespero, nem esperança desamparo? Talvez, mas nem chega a isso Uma impermanência bate a porta como sempre bate… Mas há um medo dela do que pode surgir da ausência da falta de representação que venha, que as palavras falhem… Filipe Zoppo

Cisma

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          Por agora, uma límpida recordação de um sonho que tive há alguns anos me atravessa o pensamento e me faz revisitar a angústia — essa sensação de realidade suspensa onde tudo vira pó, minha mais velha amiga. Eis a recordação do sonho: um lugar onde as pessoas saíam e passeavam pelas ruas. Os homens sentavam nos bancos e liam os seus jornais, as mulheres se encaminhavam à venda para comprar frutas e legumes para suas casas enquanto as crianças se amontoavam para descobrir o mundo. A vida era levada por uma nítida lógica e todas as coisas funcionavam como num engenhoso mecanismo perfeitamente construído às custas de um intelecto arduamente refinado pela humanidade durante milênios a fio. O que todos esses homens e essas mulheres pensavam naqueles vagarosos instantes? Nas funduras de seus corações essa nítida lógica estava plantada — o mundo é bom e a vida dá certo, as coisas acontecem e tudo funciona. Temos nossos lares e nossos carros, temos parques e escolas, saneamento e co