Poeira da ampulheta
Havia e não há mais. Tão impossível quanto necessário, havia e não há mais. Aqui imóvel tentando e tentando entender. O que significa? Antecipo na parte mais mole da minha consciência o dia em que partirei daqui para sempre, varrido como poeira pra lugar nenhum – onde? Para tempo nenhum. Oh, não! A minha tendência mais insistente – evidência da minha fraqueza – de querer que tudo permaneça, da maneira que for. seja em escombros e ruínas, mas que, por favor... tudo permaneça!
Havia um dia. Não há mais. Quando chegar a hora que haja um epitáfio. Confusão será o meu epitáfio? Perdição! Amarrado pelos pés à obrigação de pensar e remoer sobre esse dia que não há mais. O quanto mais tardarei em abandonar a esperança e esse medo que sinto do tempo? Não é possível deixar de senti-los, são a mesma e única coisa a esperança e o medo, e estão enterrados profundamente em meu coração. Chegará o dia e o que fazer? Quando viro o rosto e encaro o passado somente observo alguém que sempre caminhou sem enxergar nada, tentando tatear qualquer coisa de valor que pudesse encontrar no mais trevoso escuro.
O tempo me confunde. Me faz perder as estribeiras com as suas imposições. Assombro e desespero ao olhar para a própria vida e compreender que o vivente não está no centro dela. Quem pode considerar-se um senhor enquanto carrega no pulso, no bolso, na parede de casa, o memento mori, prova maior de que tão logo nascemos, levamos conosco a areia e a ampulheta. O tempo não é apenas mais uma legislação divina que recai sobre todos os humanos. O tempo é o próprio deus, age como somente um deus que quer permanecer longe das coisas terrenas poderia agir – é indiferente ao absurdo! A indiferença congelante do relógio, do pêndulo da existência forçando-nos a escrever: “poeirinha da poeira!”
Quanto tempo eu já perdi? O quanto já me roubaram? Quanto tempo eu, insensível, tomei de alguém que queria bem? O tempo não é dinheiro, o dinheiro é tempo. Se eu possuísse os instantes necessários poderia sentar-me e sorrir – as coisas permaneceriam. Porém é ele, o tempo, quem me possui. Quando a minha hora chegar, desejarei uma última vez poder sonhar com a minha vida começando de novo. Nascer novamente, mais uma vez imbuído na juventude e na beleza da abundância de uma existência recém iniciada, ainda alegre por observar acima de si a gigantesca e monstruosa imponência do tempo e do seus anéis frios e opacos.
erik rosa
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