O mundo não é tão quieto como eu pensei que seria

    Kairós, o meu gato preto, interrompe a minha escrita. Salta sobre o meu colo, morde vorazmente a ponta da minha caneta, se agita inteiro, balança, chacoalha. Quer atenção. Pede. Kairós, o tempo oportuno, o momento correto, o lugar certo, clama por atenção. Para Kairós todo instante é apropriado, auspicioso. Não há hora morta, minuto esgarçado pela contagem do tempo. Ele brinca, dá dentadas, corre, sempre na melhor das confluências. Quando me olha, mesmo com olhos de filhote que pouco viu ainda, parece-me mostrar algo importante, contar um segredo que suspeito jamais conseguir entender. Kairós aparenta não estar, mas ser feliz. Contente com o que ele tem para ser contente, o gatinho preto lança o rabo de um lado ao outro, como um pêndulo de um relógio antigo. Confesso: Kairós é esse gatinho todo negro para que eu não me sentisse mais tão só. É que o mundo não é tão calmo como eu um dia desejei que fosse. Kairós, à sua maneira, deixa o ambiente ainda mais agitado, barulhento e movediço, entretanto, tudo no momento oportuno. Observo-o crescer, e com isso, o tempo também se alongar.

    Durante muitos anos eu tive por rotina a revolta contra o meu senhor e regente. Mentalmente levava a cabo longas rebeliões contra sua prepotência e a ostentação de suas jóias, as maiores que já vi. Sempre notei a injustiça marcada no meu corpo. Eu com pouco, quase nada. Ele com muito, quase tudo. Constantemente quis modificar o estado das coisas, o fluxo do meu tempo. Sempre considerei essa a minha maior questão: como eu deveria me relacionar com o meus momentos. Odiei sofrer e evitei morrer. Contudo, agora fui apresentado a Kairós, a outra metade das horas, o lado que parecia faltar. Então, estou começando a entender, ainda que lentamente. O tempo dá sentido a tudo. No fim, quem diz que já chega, não é Cronos. É Kairós. Devo abraçar amorosamente cada oportunidade que tenho de nascer e de morrer, de novo e de novo.

    Ele, o meu Kairós pretinho, não me abandona sozinho. Faz as suas inúmeras piruetas felinas e eu acabo rindo alto, como um dia pensei que não fosse mais do meu feitio.


erik rosa



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