Quem é você, professor?
"Crianças", começa o professor, “Hoje é o primeiro dia de aula depois das férias de julho e eu gostaria de iniciar o segundo semestre fazendo uma pergunta pessoal a todos: o que vocês querem ser quando crescerem?”. Os alunos na sala olham uns aos outros com a impressão de já terem ouvido essa mesma pergunta de outros adultos. “Eu quero ser médico, professor”, responde o Ricardo, aluno que tira as maiores notas da turma. “Ótimo, Ricardo. Ser médico é tão nobre quanto ser professor”. Beatriz ergue a mão direita querendo responder: “Eu quero muito ser veterinária, professor”. De modo altivo, o professor responde que veterinária é a medicina dos animais, uma grande profissão. Lívia levanta a mão e diz que no futuro será advogada e ganhará muito dinheiro. O professor ri suavemente e comenta que é muito bom já ir pensando na futura estabilidade financeira. Conforme a aula segue, cada um dos alunos responde o que será quando crescer, e assim surgem diversos futuros seres: engenheiros, psicólogos, enfermeiros, publicitários, biólogos, juízes, policiais, etc.
Parece que teremos um festival de profissões, até que chega a hora do Wesley, o mais quieto aluno da turma, responder. Ele hesita, faz careta e uma expressão de choro, que se você, leitor, o visse, com certeza diria que o Wesley carrega dentro do peito uma dor terrível. “O que foi, guri? Por que esta cara? Qual é o problema? Apenas queremos saber de você o que será quando crescer”. Wesley faz força e responde, gaguejando: “Pro-professor, eu não tenho ideia do que serei quando crescer. Nunca pensei nisto”. O professor ao ouvir a resposta do menino adquire um ar de desaprovação, e diz: “Tudo bem, Wesley. Não tem problema não saber agora o que você será, mas saiba que logo terá que saber”. Virando-se energicamente para a turma, exclama: “Gostei muito das respostas de todas vocês, crianças. Serão grandes adultos e cidadãos de bem! Mas lembrem-se que para vocês se tornarem alguém na vida, é preciso que estudem muito. Aprendam a fazer as contas, a ler o texto e ter a letra legível. É necessário saber a adição, resolver a multiplicação e colocar os acentos no lugar certo. Ademais, precisam…”
“Professor!”, sem levantar a mão, interrompe o Wesley “Se temos que saber desde já o que seremos quando crescermos, isso significa que nós, enquanto crianças, não somos ninguém ainda? O que significa afirmar que as crianças devem viver suas vidas em função do que elas irão fazer daqui a anos?”. O menino continua a falar: “É que eu venho aqui na escola, brinco com os meus amigos, estudo com eles, volto para casa, vejo filme com a minha família, saio com os meus primos, jogo futebol na escolinha todos os sábados e sempre estou lendo os meus livros, e me parece que tudo isso faz parte de alguém que já existe, alguém que já é. Creio, professor, que se não sei o que serei quando crescer, talvez seja porque eu esteja ocupado demais já sendo alguém. Eu sou o Wesley, professor. Eu sou.”
O professor escuta perplexo o desabafo de Wesley. Todos os alunos produzem um silêncio sufocante. Parece que o professor terá dificuldades em se olhar no espelho quando regressar à sua casa.
Erik Rosa
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