Ar
Me espanta a constatação de que o ar seja tão rarefeito na vida de alguém nascido sob o signo de aquário, um signo simbolizado por esse elemento. A maioria dos viventes, para poder existir, somente precisa do ar, que como um fino véu transparente, cobre toda a Terra, enquanto há certos espíritos que apenas se mantém vivazes por respirar um outro tipo de ar, um que somente pode ser encontrado no subterrâneo, no interior de alguma coisa viva. Esse ar do segundo tipo talvez não exista, sendo na verdade outra coisa, mas para esses espíritos ele é essencial, fazendo com que lhe seja imprescindível procurá-lo. Não falo de um capricho, como o é beber água com gás, mas sim de uma necessidade intrínseca. Nesse exato momento estou em plena busca desse ar. Não é uma atividade automática ou involuntária como encher os pulmões, tampouco um flutuar suave e delicado, mas ao contrário, procurar pela fonte acaba sendo um afundar insustentavelmente pesado e ingrato. Opostamente a alguns, não vou atrás do frescor das paisagens viajando para longe da cidade ou, como fazem outros, não esqueço eternamente de respirar me entorpecendo confortavelmente com qualquer coisa que me dão. Prefiro me atentar à minha maior e mais íntima inclinação. Parafraseando àquele que um dia escreveu, o meu movimento de busca é, em verdade, um mergulho profundo e paradoxal em busca de ar e que só pode acontecer no mais profundo silêncio e na mais solitária solidão.
A metáfora é a do peixe no aquário que, longe de viver o êxtase da existência daqueles outros que possuem as possibilidades infinitas e estimulantes do mar, deve aprender sozinho a mergulhar em outro tipo de imensidão, uma que necessariamente tem de surgir quando se vive nadando de um canto para o outro somente para descobrir que todos os cantos são iguais. Tal imensidão, imagino eu, deve repelir a maioria dos que a observam, pois do seu caráter misterioso e lúgubre somente podem sentir o maior dos medos. Mas quem houver de possuir coragem de enfrentar a si próprio sem armas poderá descobrir que mesmo dentro do curto espaço entre os quatro cantos do aquário existe uma realidade de tão difícil compreensão, e por isso mesmo irresistível, que acabará, nem que seja por um único instante, julgando que é muito melhor estar onde se está – seja o lugar que for – do que ser levado pelo mar e a sua multidão de ondas sensacionais. Virginia Woolf certamente sabia disso quando escreveu que não há nada de maior valor do que um lugar onde seja possível sentar-se e pensar, distante de qualquer agitação que, invariavelmente, acaba nos roubando de nós mesmos. Ela, talvez mais do que ninguém, sentiu a inelutável força que atrai esses poucos espíritos para um eterno mergulho dentro de si mesmo em busca do mais denso ar.
É a maior das lutas essa de se olhar fixamente no espelho, e se aquário é, segundo Hermann Hesse, um signo sombrio e úmido, é porque estou incansavelmente aceitando o meu destino de me perder sob a minhas águas escuras e desconhecidas em busca de algo que não sei o que é, mas que sinto ser o ar de que tanto preciso.
erik rosa
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