Algo no caminho
Manhã. Onze horas. Há muito tempo que não movo um músculo. Um esforço inominável seria necessário para me levantar daqui. Lá fora, a bola de fogo no céu se entretém castigando a todos. O ruído do gotejar da água no banheiro está tão alto que não me permite discernir os outros sons da cidade. É resultado da pia estragada que fiquei de consertar. Cada gota, depois de se lançar em queda livre, explode em estilhaços dentro da minha cabeça, dando passagem à próxima, marcando o tempo, segundo a segundo.
O amargor do café da manhã ainda persiste na língua. Tê-lo tomado não me surtiu o efeito desejado; não aconteceu aquele incrível início de final de semana prometido pelo gigantesco out-door. O dia que chuto ser sábado parece irmão gêmeo da segunda. Fui enganado. Sentado nessa cadeira, sinto a sua dureza se transformar na minha própria dureza. Este é o ponto onde a tensão física e mental de alguém extrapola e o que resta é uma estátua esculpida há muito tempo. A cadeira, muito mais vital, possui o seu coração a bater e as suas pernas a mover, enquanto eu, sou uma coisa. Paralisado.
O amargor do café da manhã ainda persiste na língua. Tê-lo tomado não me surtiu o efeito desejado; não aconteceu aquele incrível início de final de semana prometido pelo gigantesco out-door. O dia que chuto ser sábado parece irmão gêmeo da segunda. Fui enganado. Sentado nessa cadeira, sinto a sua dureza se transformar na minha própria dureza. Este é o ponto onde a tensão física e mental de alguém extrapola e o que resta é uma estátua esculpida há muito tempo. A cadeira, muito mais vital, possui o seu coração a bater e as suas pernas a mover, enquanto eu, sou uma coisa. Paralisado.
Em algum lugar da cidade um homem se embriaga com o que lhe oferecem. Outro se masturba fitando alguma atuação cadavérica. Uma perseguição policial se transforma em dinheiro para os jornais. O boi servido no restaurante no fim da rua já não reclama há algumas horas. Um comprimido de antidepressivo é levado à boca enquanto uma nova marca de roupas de luxo estampa a revista semanal após o aperto de mãos dos envolvidos. Alguém se equilibra com dificuldade no amontoado de carne do metrô, enquanto outro se enfurece por não haver nenhuma vaga para estacionar. Uma rede colossal emerge do mar carregando centenas de peixes, enquanto um senhor, com seu sorriso amarelo, divide em vinte e quatro vezes o seu novo guarda-roupa. Casos de um novo vírus são descobertos na China. Aqui embaixo, na calçada, um cachorro late para o motoqueiro que, sem cabeça para essas coisas, chuta-o com força. O vento varre os papéis da rua dando de comer ao bueiro que, por sua vez, irá recusar a água da próxima chuva. Um carro bate. Uma criança chora. O presidente almoça.
Movo um primeiro músculo — o do meu braço esquerdo — para observar as horas: são onze. O gotejar aqui dentro permanece. Deve haver algo no caminho.
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