O eterno retorno do mesmo


          – Vai acabar repetindo de ano se continuar assim, menino. Tome jeito! – era o que parecia ser, para mim, a única coisa que a minha professora sabia falar. Aliás, não apenas ela, mas também o meu pai, em todos os finais de bimestre, com o boletim em mãos e com os olhos zangados me dizia:
          – Então, garoto. Quando é que vai aumentar essa nota? Não quer acabar repetindo, quer?
          É claro que não. Eu era uma criança que não gostava de repetir nada, nem a merenda da escola – que algumas vezes merecia muito ser repetida – e, pasmem, tampouco tinha o desejo de repetir a sobremesa depois da refeição ou passeios na cidade, por mais prazerosos que fossem. Eu era uma pessoa que desde muito jovem buscava o novo, mesmo que fosse, paradoxalmente, buscar o novo de novo.
          Qual não foi a minha inquietante surpresa ao descobrir pela boca da professora que eu teria de ficar mais um ano no mesmo ano:
          – Mas, professora, como posso eu repetir de ano sendo que estamos em 2019 e ano que vem será 2020? Não seria impossível que ano que vem seja 2019 de novo só pra mim?
          – Menino, vê se pare de molecagens comigo. Você terá que refazer no próximo ano tudo o que fez nesse aqui. Tudo igual e o mesmo. Pra ver se passa.
          Assim o ano novo começou e lá estava eu ainda em 2019, sem entender muito bem todo aquele repeteco e sentindo uma forte sensação de déjà vu. Como que por efeito profético das palavras da professora, tudo naquele ano foi exatamente igual e o mesmo. Os mesmos acontecimentos e as mesmas notas fracas. Resultado: repeti de novo. Entrei então no que era o terceiro 2019 da minha vida e eu já começava a ter maus sonhos com as pessoas me falando para eu tomar jeito senão iria repetir mais uma vez. Só que não podia evitar, como era tudo um replay do que aconteceu antes, eu não conseguia tirar boas notas para poder me ver livre daquele círculo vicioso.
          – Estou fadado – disse à professora, – a viver nesse ano incontáveis vezes para todo o sempre?
          – Do que está falando, menino? Basta se esforçar mais nas aulas e em 2020 estará na próxima série. Não diga bobagens, ninguém nunca ficou na escola para todo o sempre.
          Ela parecia não saber que estávamos vivendo em repetição, embora eu não me lembrasse de alguma vez ter feito essa pergunta à ela nos 2019 anteriores. Perguntei então ao meu pai para ver se poderia me dar alguma solução, mas ele também não sabia de nada, só o que dizia era para eu tomar jeito e não repetir de ano.
          Depois que analisei a minha situação, concluí que, para mim, era como se tirar notas baixas e repetir de ano fosse, literalmente, repetir de ano, e dadas todas as demais tentativas fracassadas de sair daquele problemão, senti com pesar o fato inelutável de a minha vida estar aprisionada de tal forma à escola que as duas acabam por ser a mesma e única coisa.

erik rosa



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