O lado escuro
I - da minha vida
Por algum caminho me adentrava
nessa ambígua travessia
Do nada ao nada da vida
meu primeiro choro sofria
II - do meu corpo
Negar o insalubre respirar
que me é vida
que me é morte
Escolher o vazio pulmonar
e a natureza desobedecer
Porém, eis o mandamento da vida:
Depois que se nasce
deve-se viver até morrer
III - do meu medo
Ouço esses passos tão secos
Ao pé do ouvido apressados
O medo da morte e os seus ecos
Fazem-me correr angustiado
IV - do meu tempo
O círculo de metal
conta a quantas pulsa o meu tempo
o meu pulso
Nua exposição do meu final
parece longínquo
me contando me enganando
Porquanto ignoro o sinal
do Grande Astro que adverte
com seu círculo em chamas
Que essa minha vida monumental
Seca e vira escassa
Passa, se acaba e sem ninguém notar:
Me ultrapassa
V - da minha morte
Companheira mais fiel no fio das horas
sempre a convite doce sonora
A dama terrível!
Oh, como me atrai tão amigável feito
Mas mesmo se gritasse: “Eu não mereço!”
saberia que é o seu o meu último leito
De todos outros o mais horrível
Pois é o seu o que não conheço
VI - da minha riqueza
De todo dinheiro que possuo
o que mais o lanço fora
é aquele em que agora
uso para obter o prazer nulo
Qual não é a minha pobreza
achar que o dourado é a cor mais bela
quando a perdição é o que se zela
na mesquinhez e miudeza
Dinheiro para todo mundo?
como, se para a luz do rico aparecer
é preciso que o pobre não tenha o que comer
no seu barraco triste imundo
Mas se o mal o dinheiro compra
e você diz ser o maior dos prudentes
sem jóias e sem ouro nos dentes
pois então dá-me o teu se tanto te assombra
VII - das minhas guerras
Entre você e eu
há um muro
ou um campo de batalha
de palavras em navalha
que cortam o claro do escuro
Entre nós e eles
não há piedade
matamos e ferimos
pois as dores que sentimos
vêm do outro lado da cidade
Se luto com você
é por causa da função de eu
da vontade de poder
afastar de mim o que quer morrer
e tiranizar o que é meu
Mas o Eu versus Eu é
o maior dos embates
daqueles sem certo objeto
ser ou não ser todo esse afeto?
ou Eu mato ou então que Eu Me mate
VIII - das minhas cores
Se pudesse ter o dom de escolher
dos meus destinos à minha cor
numa liberdade sem sabor
seria Deus das cores, meu senhor!
Mas sou humano monocromático
Apenas uma cor por vez
Liberdade pra escolher?
Só se for azul o que você fez
IX - da minha loucura
Olhar a lua me faz girar
desnorteia aqui no sul,
e troca sempre de lugar
o meu cérebro coração.
Giro hilário das consciências
Ao qual ninguém é páreo,
faz-me rir.
O meu riso d’alma desafina
faz surgir o segundo ser em mim
e aquele para além de nós - o terceiro
destruidor do par perfeito
que ri mais do que o segundo.
E põe o primeiro a chorar
de rir até sangrar
tão logo ouve o ensurdecer
no meu cérebro coração
dos dois a gargalhar
Quando quiserem acabar
com os meus risos e os meus prantos
de dentes e olhos alheios
fujo de todos os seus meios
pois não sabem o quanto
prefiro admirar fixamente o luar
X - do meu fim
Depois que se respira
o tempo infinito
acha-se deus no espelho
Mas morre-se
O transparente toma lugar do vermelho
A vida vira delito
E na véspera da inspiração
se expira.
Erik Rosa
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