O misantropo

O existir é a maior das vaidades. Ninguém jamais poderia permitir a si próprio ou aos outros tal espécie de luxo sem sentido. Qualquer sujeito que queira ultrapassar a própria existência empregando-a algum significado monumental será forçado a encarar, ao menos uma vez na vida – quase sempre diante da face da morte – a crueza viva das coisas que são e que se recusam a aceitar nossas sentenças sobre elas. Tudo existe em demasia, consegue entender? O vento nascido no ventilador que morre prematuramente em meu rosto move-se apenas o suficiente para anunciar que ele também existe. Sinto-o a deslizar amigavelmente pelos meus cabelos que balançam no ritmo da sua existência, avisando-me que também existo. O chão frio tocando os meus pés cria um contraste com o calor sufocante do ar justamente para não me deixar esquecer de que tudo isso existe. Quando ingenuamente penso ter encontrado o vácuo entre eu e o mundo, um vácuo de nada, onde eu poderia repousar meu corpo cansado, observo-o ser rapidamente entupido por qualquer coisa que grita em meus ouvidos reivindicando o seu existir. Há um excesso de existência que o ser humano nunca soube onde armazenar. É muito isso, muito aquilo, muito tudo. 

Quem existe carrega consigo, na própria pele, todo o existir possível, todas as possibilidades da existência, tanto de si quanto da humanidade. Em outras palavras, há, preso ao pescoço de cada um de nós, um monstruoso aglomerado de gente e de coisas que insistem em se fazerem presente, até mesmo depois de mortas ou destruídas. Somos perseguidos pelo o que já fomos e pelo o que ainda seremos, e gratuitamente somos determinados por uma infinitude de coisas e pessoas que sequer conhecemos. Com esse excesso de tudo, o que desaparece é a possibilidade de solidão. Confundimos solidão com a constatação de que não há nada nem ninguém por perto. O maior dos enganos, já que não é possível tal situação. Com efeito, a verdadeira solidão se confunde com a não existência, pois existir é se imbricar com todo o resto que existe, e isto de modo algum pode ser solidão. Existir é amar e odiar. Quem ama ou odeia nunca pode estar realmente só porque sempre terá a lhe acompanhar a causa do seu amor ou do seu ódio. O ser humano não suporta a enorme solidão de se estar cercado pelo Nada e foge tanto dela que chegaria ao ponto de ter o seu espírito cindido em dois apenas para que nunca houvesse de se encontrar sozinho. É justamente por isso que todo o suicida tem, em algum lugar do seu ser, a crença na vida depois da morte.

Aquele que existe e se espanta consecutivamente com a sua própria existência a ponto de escrever esse texto, é um misantropo. O misantropo, ele sangra quente e sua frio frente à espontaneidade e insistência da vida em unir e embaralhar todas existências do mundo dentro de si. Sente a cadeira na qual está sentado unir-se a ele. Confunde o seu próprio ser com o de qualquer outra pessoa e chega a se reconhecer inteiramente na raíz de um carvalho que sombreia uma praça. O misantropo é aquele que odeia a si mesmo por ter que observar-se tão cheio de tudo. Implora desesperadamente por solidão.

erik rosa


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