Esvazie-se!
Aqui estou eu, prostado em frente ao muro branco salpicado de fuligem da pós-modernidade, sem retorno, nem avanço e sem nenhuma possibilidade de entender. Um aviso no muro: ESVAZIE-SE! Uma frase imperativa pintada num muro de pedra branca em algum bairro periférico de uma grande cidade. Esvazie-se! Com isso o muro olha incessantemente para mim e de fato me esvazia, me sinto como se fosse uma bolha, começando a flutuar sem saber do que sou feito. Eu não tenho substância interior que me preencha, estou perdendo todos as minhas tripas humanas, me tornando apenas uma fina membrana sem cor e nem aspecto. A insistente transparência que forma o meu corpo é feita de nada. Sinto um espaço vazio dentro, que é justamente a sensação de não saber o que ou como se sente, onde se está e nem quem se é. Não tem nome e nem palavra. De repente, começo a notar que existem muitos mais avisos no muro, e um estranho paradoxo aviva em minha mente-bolha: QUEIRA VOCÊ, COMPRE VOCÊ, VENDA VOCÊ, VEJA VOCÊ, OUÇA VOCÊ, AME VOCÊ, VOTE EM VOCÊ, RIA DE VOCÊ, CHORE POR VOCÊ, LUTE POR VOCÊ, TRANSE COM VOCÊ, ESCOLHA VOCÊ...etc, os infinitos mandamentos pintados no muro me completa de mim mesmo de maneira a me fazer uma pressão terrível sobre a minha membrana, como um estômago que não aguenta nem mais uma grama de comida; eu estou a um instante de implodir de tanto de mim em mim. Mas se estou tão infartado assim, como pode ser que eu flutue tão facilmente? Eu deveria estar no chão de tanto Eu do qual sou feito. E como pode ser que todo esse Eu em mim me seja tão transparente e sem conteúdo? Eis o paradoxo do homem-bolha pós-moderno de solução impossível: Um corpo-bolha cheio de nada até o limite. Eu não sou mais ninguém justamente por poder e ter que ser todo mundo a todo tempo. Ontem se consumia roupas e carros, hoje se consome identidades.
Esvazie-se. O homem-bolha pós-moderno agora chora feito criança pois faz com que todo o seu mundo se referencie em algo que ele não sabe o que é: ele mesmo.
Erik Rosa
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