Medo de Escuro

Medo de pessoas estranhas, medo de tempestade, medo de insetos, medo de se machucar, medo de se perder dos pais etc. Quando eu era criança, não tinha nenhum desses medos que são tão comuns na infância. Poderia até dizer que eu era um menino muito destemido, muito valente, exceto por uma coisa: a noite me assustava. Principalmente no momento de dormir. Sim, o medo clássico de muitas crianças era o meu medo também. Mas juro que não era um medinho de escuro qualquer, era algo que me assombrava e que estava para além do breu da noite.

Quando o sol caía, eu sentia o anúncio do que me esperava, e como eu não podia ficar à noite na rua (e nem fazia questão), tinha que voltar para casa para tomar banho, jantar e me deitar. Porém, era justamente nessa última etapa do dia que eu me atemorizava.  Hora de dormir: eu me via num quarto que era compartilhado por mim e por meus irmãos, três camas que ocupavam tanto espaço, dispostas uma ao lado da outra, que davam a impressão de que as quatro paredes se beijavam de tão próximas. Com a escuridão da noite parecia que elas estavam ainda mais coladas, suprimindo os corpos de meus irmãos, que não faziam ruído algum enquanto dormiam. Como poderiam eles adormecer com tanta facilidade enquanto eu mantinha meus olhos abertos mesmo sem poder enxergar nada?

Eu, com medo do escuro, suava frio, imagina haver ali no quarto, em qualquer canto, embaixo das camas, em qualquer espaçozinho, algo que me vigiava e que estava sempre pronto a sair das sombras. Mas era exatamente este o maior problema: se ao menos aquela coisa parasse de ficar à espreita se insinuando e mostrasse de uma vez por todas a sua monstruosidade, eu saberia do que se tratava. Mas não, aquilo nunca aparecia, era sempre um quase - ver, um quase - ouvir, um quase - sentir. Só me restava mergulhar no medo, esse medo que sempre nos leva às fantasias. Eu sabia que em realidade não havia nada lá, que se eu tivesse a coragem necessária para me levantar e apertar o interruptor que acendia a lâmpada, não encontraria coisa alguma, apenas os móveis, os quadros e os meus irmãos dormindo profundamente. Mas sem motivo havia aquele medo irracional. A coisa estava na minha cabeça. Não me deixava dormir. Eu era a coisa: uma criança amedrontada por ela mesma. E o que pode ser pior do que ser aterrorizado pelos próprios pensamentos? Quando conseguia finalmente pegar no sono, me acometiam sonhos intranquilos e eu despertava banhado em suor. Mas ali mesmo, no quarto, não havia nada.
Esse meu medo de escuro perdurou por muito tempo durante a minha infância, mas um dia parou. Cresci, a vida foi mudando e comecei a desejar todas as noites que o quarto estivesse bem escuro para eu poder dormir melhor. Não tinha mais problemas com coisas que se escondem na penumbra. Esses problemas haviam passado. Porém, hoje, ao recordar desse tempo, vejo como o medo de infância que eu tinha era não mais que um prenúncio de todos os outros medos de adulto que iriam se instalar na minha vida no futuro.

Erik Rosa



Comentários